12.2.18

[Impressão] Tambores pra N'zinga




N'zinga, ou Nzinga, Ginga, Jinga, Singa, Zhinga entre outros nomes ou como ficou conhecida pelos portugueses: Ana de Souza, rainha Dona Ana. Combatente. Presente. Atuante e atual. 

E tambores tocam em teu nome e tambores ecoam em teu nome. Tambores pra N'zinga, livro de poemas de estréia de Nina Rizzi, publicado em 2012. Tambor, instrumento sagrado. 

"O tambor é um catalizador de energias [...] O ritmo das batidas altera nossa percepção e estado de consciência, permitindo-nos entrar em contato com os mundos visíveis e invisíveis para proporcionar cura, meditação, auto-conhecimento, empreender jornadas, nos harmonizarmos com a Terra e contatar os ancestrais, espíritos e animais guardiães."

É assim que a poesia de Nina retumba nesse livro, ritimíca e ritualística. A poeta aqui não é musa, é voz. É corpo atuante e substitui a lira, pelo batucar dos tambores. 
Faz da poesia um ritual de passagem de um momento a outro, em que se percebe algo que antes não havia sido notado, e então o instante se faz poema. O instante pode ser na noite das ruas embriagadas, pode ser na pele dos amores (rizzíveis), pode ser um momento de silêncio, sozinha. 

Dividido em três partes chamadas de "quandos / tudos / quases ". A poesia de Nina me chegou de forma muito intrigante, digna de muitas releituras e escavação. Abrir o livro de Nina é escavar poesia com as unhas. Não é deleite. Não é contemplação. É deslocamento. 

tweenty seven inch nails

arranquei um naco do meu dedo
enquanto pensava que ele podia subir as escadas, gritar
sangue junto à enorme unha encardida
ardume
os dedos, círculos. meu riso de matilda.

Tambores, desde o título traz muitas referências históricas, imagino que influência da formação acadêmica da poeta. 
Já no terceito poema, chamado Kabuki, temos uma referência forte. 

kabuki

com a força de um hímem
os pés apertados de gueixa
me recolho
lanço
bênçãos e espadas.


Kabuki é um teatro que incialmente era feito só por mulheres e hoje só homens atuam. 

"O verdadeiro kabuki como conhecemos hoje surgiu posteriormente formado somente por homens. A arte de se transformar em mulher foi criada na época em que atores especializavam-se nessa modalidade. A beleza de “Onnagata” obedeceu a um padrão idealizado por homens, ou a forma de como a mulher devia portar-se. Aquela feminilidade exagerada não é natural do desempenho de uma mulher, mas calcada em certos conceitos da observação masculina." (Fonte)

Nesse primeiro "ato", chamado quandos, Nina nos fala do advérbio do tempo, condição, ocasião do que poderia ter sido, ter dito, ter acontecido, quando é um recorte no tempo, uma fatia da vida que só a poeta observa. 

lastro

a poesia dizia que a gente não ia mais parar
de se olhar. nunca mais, nunca mais.
e eu não li mais nada. quiçá viouvi. amiúde
deixei de me derramar também. hoje,
eu dou umas risadinhas como as suas. umas
risadinhas assim, meio de leve, de olhar buendía. de você
peguei isso, assim, sem querer. você
me dá vontade de chorar.

Em tudos, os poemas são compostos por ligações com a cultura afrobrasileira, com títulos como maracatu; jongo ojo-bo, flauta pra n'zinga. Em sequida temos uma série de poemas-cantigas, misturando a erudição e o cotidiano picotado em versos curtos


bachiana em dois movimentos pra villa-lobos

já volto, vou me inexistir.
no peito, aquela coisa de moer cana.


Nesses poemas Nina nos dá um gosto de breves olhadelas que nunca mais se repetirão, anotações rápidas sobre despedidas.

outra cantata pra depois do nunca mais

como poderia esquecer?
caixa de ressonância acústica, vibro:
suas palavras andam de bicicleta por meus ecos e umbigo.


Por fim, chegamos a quases. Aquele décimo de segundo de algo que não aconteceu. Pouca distância, perto, mas não dentro. Perto, mas que não se toca. Pouca diferença para mais ou para menos. 
Nesse ato final, Nina também fala da história, de ontem que reverbera hoje

desnotícias

então era assim a grande guerra.
a blitzkrieg não declarada me persistia
por todos os fados de esperânsia;
as colaboracionistas perdiam os cabelos
outras poucas, malenas, bustos, muros.
em rastros de bombas se viam quadrinhos
cinemas, propagandas, ideologias tantas.
que haviam de me meter mais medo ou vingar
se levaram meu velho do exílio?
então era assim, eu não morria,
minguava.

Fala das cidades, das ruas, dos meninos que nelas passam e dormem e nos olham. E uma série de acontecimentos e detalhes de alguém que corre, atravessa a cidade de asfalto e pele, vísceras, sangue.

segundo elogio para catherine day

fumaça, rodas, aço.
- há cidades trespassando meus rins,
o chão frio, nuvens escuras, pelos.
deito minha pele como o asfalto. Inerte, quente.
de cima uns pés me sobrevoam, primeiro os olhos, depois os
dentes.
sun day, moon day.
but it’s not every day:
than one day.
- tenho todas as cidades pra tirar da tua carne,
enquanto restituo o lábio, a esinge.

Nina termina com uma simplicidade tão direta que desconcerta, fecho o livro, mas ainda ele olha pra mim, dizendo, é isso que tenho, que sou, e ouço Billie Holiday.

epitáio

aqui
jazz
mim



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